A passagem de Downton Abbey, na FoxLife, provocou os habituais suspiros abafados nos lencinhos: "those were the days", "que mundo simples", etc. A série está bem feita, claro, mas, talvez porque cresci a ouvir as histórias sobre as criadas de dentro que nunca tinham visto um autoclismo, deixo duas notas:
1) A série, tal como a original Família Bellamy, ( Upstairs, Downstairs), não "transmite os valores de uma época" coisa nenhuma. Transmite as categorias culturais da classe dominante, que, é verdade, eram por vezes assimiladas pelas classes dominadas ( Reich, que distribuía preservativos pelos operários de Viena nos anos 20, queixava-se de que o proletariado imitava a moral sexual burguesa).
2) O sucesso deste tipo de séries reside num logro. Enquanto aparenta mostrar dois mundos ( o da aristocracia e o dos servos), só mostra, de facto, um. O que atrai o espectador é o charme das caçadas, dos jantares, das porcelanas, dos dichotes entre charutos, etc. Ninguém pagaria para ver de perto a higiene dos empregados, a comida dos empregados, a forma como viviam os pais dos empregados, o casamento dos empregados; como não faria sucesso uma série escatológica sobre os hábitos de vida dos 5d per hour.