ESCOLHER UM LADO:
Como era previsível, com a coisa a começar a apertar, o governo vai ficar sozinho na aplicação da pudibunda austeridade. É agora muito fácil estar do lado do povo, do lado dos que perdem direitos adquiridos, do lado dos que vão sofrer. A falta de dinheiro é uma ideologia unificadora.
Uma amnésia, insidiosa como um nevoeiro outonal, desceu sobre o nosso passado recente. Ninguém se lembra de como chegámos aqui, por exemplo, BMW's X3 para os vogais da administração de um metro de superfície regional.
Em Tsavo, quando ainda havia muitos trabalhadores na construção da linha do Lunatic Express, os ataques dos leões eram encarados com relativa indiferença. Quando ficaram apenas umas centenas, o caldo entornou. Serve isto para recordar a maravilhosa natureza humana: a batata quente é para os outros.
Fernando Medina, ( alguém que se sabe exprimir), do PS, falava no outro dia, na AR, da coesão social necessária para fazer o que tem de ser feito. Friamente, o que o governo está a fazer é emagrecer uma máquina pública pleonexica. Podia tudo ser diferente se fossemos diferente do que somos? Podia, claro, mas somos - temos sido - o que somos. A coesão social, a fuga à fractura, só se alcançará com uma atitude decente.
Uma atitude decente é assumirmos todos as nossas responsabilidades*. Não tenho ilusões: quem está de fora ( a esquerda parlamentar) vai comportar-se como se tivesse chegado agora de Madagáscar; senadores e oportunistas vão comportar-se como sempre se têm comportado- cuidando dos seus interesses pessoais em nome "do povo". Os revolucionários quererão fazer o que sabem fazer: escolher pelos outros.
Escolher um lado não significa escolher uma facção. Significa não fazer a escolha fácil, a que as circunstâncias sugerem como melhor para o nosso futuro individual. Escolher um lado significa ter dúvidas e esperar que essa escolha as possa resolver - o contrário é o fanatismo egoísta.
Na perigosa situação actual, como não sei o que o governo poderia estar a fazer de diferente, escolho o lado da opção actual. Não é o lado do partido ou do governo, é o lado da decência.
* Ao
contrário disto