A palavra sacrifício podia, e devia, ser posta na mesa de dissecação. Aparece na sopa e as pessoas começam a fazer com ela o que faziam com as palavras complexas : naturalizam-noa Parece estranho naturalizar o que á se conhece? Não tanto. Conhecíamos a palavra , agora conhecemos o seu significado. Moscovici incluía esse processo nas repesentações sociais ( fez sucesso com a descrição de como o público francês naturalizou os termos psicanalíticos e foi por aí adiante). .
Agora já não se trata de fazer o ritual sagrado, mas do seu significado comum - fazer pelos outros. Quem faz, o que faz e quem são os outros?
1) Seria de supor que PSD e CDS, os partidos do governo, tivessem o apoio crítico de um escol intelectual capaz de ajudar as pessoas a compreender, ou a refutar, o que lhes é pedido. Não teria de ser à maneira imperial ( ver Suetónio) nem teria de ser criada a categoria de intelectuais do regime ( ou imperiais, como César fez). Bastaria pensar e escrever.
2) Nos tempos recentes, talvez por causa do Estado Novo e, depois, pelo regabofe revolucionário e pós-revolucionário, o termo intelectual adquiriu um certo ar de taberna. Um país de analfabetos transmutou-se num país de teóricos marxistas-leninistas e convivia - e convive - mal com a exigência do papel do intelectual. Quando alguém quer humilhar outro numa discussão, acusa-o de intelectual ( ou pseudo-intelectual) com o mesmo desdém com que atira filósofo e elitista. Pior é difícil.
Também é verdade que, por outro lado, se diviniza a categoria, o que é outra forma de a esvaziar. Nos meios influentes ( media, artes, universidades), o intelectual tem de ser um escritor famoso ou um catedrático recomendado. Isto convém ao batalhão dos aparelhos partidários, aos mercenários da opinião ( os escreventes de Barthes) e aos publicistas ( agora inscritos nas agências de comunicação e blogues) : permite-lhes desvalorizar quem quiser ultrapassar o estilo NovaGente, mais ou menos caceteiro, do trabalho que produzem.
3) É necessário existir uma produção de pensamento sobre as formas verbais da política de obrigações. Esquecemo-nos, por vezes, de que o discurso político abandonou a sedução da promessa e passou à dureza da exigência. A vulgarização do sacrifício e a sua redução a uma essência formal ( gastar menos,/ receber menos) são duas naturalizações que, quando a situação piorar, não bastarão.
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