domingo, 18 de setembro de 2011

PREOCUPANTE (II):

A palavra sacrifício podia, e devia, ser  posta na mesa de dissecação. Aparece na sopa e as pessoas  começam a fazer com ela o que faziam com as palavras complexas : naturalizam-noa Parece estranho naturalizar o que á se conhece? Não tanto. Conhecíamos a palavra , agora conhecemos o seu significado. Moscovici   incluía esse processo nas repesentações sociais ( fez sucesso com a descrição  de   como o público francês naturalizou os termos  psicanalíticos e foi por aí adiante).  .
Agora já não se trata de fazer o ritual sagrado, mas do seu significado comum - fazer pelos outros. Quem faz, o que faz e quem são os outros? 

1) Seria de supor que PSD e CDS,  os partidos do governo, tivessem o apoio crítico  de um escol intelectual capaz de ajudar as pessoas a compreender, ou a  refutar, o que lhes é pedido.  Não teria de ser à maneira imperial ( ver Suetónio) nem teria de ser  criada a categoria de intelectuais do regime ( ou imperiais, como César fez). Bastaria pensar e escrever.

 2) Nos tempos recentes, talvez por causa do Estado Novo e, depois, pelo regabofe revolucionário e pós-revolucionário, o termo intelectual  adquiriu um certo ar de taberna. Um país de analfabetos transmutou-se num país  de teóricos marxistas-leninistas e convivia - e convive -  mal com a exigência do papel do intelectual. Quando alguém quer humilhar outro  numa discussão, acusa-o de  intelectual ( ou pseudo-intelectual) com o mesmo desdém com que atira filósofo  e elitista. Pior é difícil.
Também é verdade que,  por outro lado, se diviniza a categoria, o que é outra forma de a esvaziar. Nos meios  influentes ( media, artes, universidades), o  intelectual tem de ser um escritor  famoso ou um catedrático  recomendado.  Isto convém ao batalhão  dos aparelhos partidários, aos mercenários  da opinião  ( os escreventes de Barthes) e aos publicistas  ( agora inscritos nas agências de comunicação e blogues) : permite-lhes desvalorizar quem quiser ultrapassar o estilo NovaGente, mais ou menos caceteiro, do trabalho que produzem.

 3) É necessário existir uma produção de pensamento sobre as formas verbais da política de obrigações. Esquecemo-nos, por vezes, de que o discurso político abandonou a sedução da promessa e passou à dureza da exigência. A vulgarização do sacrifício e a sua redução a uma  essência formal  ( gastar menos,/ receber menos) são duas naturalizações que, quando a situação  piorar, não bastarão.

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