sábado, 20 de agosto de 2011

O TOTALITARISMO   IGUALITÁRIO (I):

Suspeito que esta série, que servirá de suporte a um pequeno ensaio, vai trazer-me muitos amigos. O título  provocador  permitirá aos descerebrados  dizer que eu comparo a luta pela igualdade racial no Mississipi aos desmandos da antiga Moscovo. 
A igualdade parece ser o único valor moral objectivamente universal  na exportável cultura  do Ocidente e  criticá-la deverá fazer-me sentir um pequeno De Las Casas diante de inquisidores impiedosos. Tanto pior. Digo parece, porque quando examinarmos as coisas mais  de  perto veremos  que não é bem assim.
A investigação compreenderá todos os contributos, mas prestará especial atenção aos tempos de hoje. É óbvio que os efeitos  actuais   obtiveram a força noutras épocas - e não me esconderei - , mas seguirei um conselho de Ostrogorski: a  melhor forma de estudar as forças políticas é estudar os métodos políticos. E os métodos são visíveis.
A promoção da igualdade a valor objectivo e universal é  bom? Veremos. Em muitos casos não é bom, é óptimo.   As intenções  de mencheviques e bolcheviques eram adoráveis. Também o Terror começou por ser uma reacção de desespero de gente  sem pão ( a 4 de Setembro) , depois passou pela necessidade de todos os cidadãos terem armas para implementar  a igualdade  e chegou  à obrigatoriedade do tratamento por citoyen para quem não  quisesse iniciar o percurso para a lâmina  (1). Os problemas, como em todo os  projectos políticos, moram nas consequências.
Veremos  também como a agenda igualitária tem muitas páginas arrancadas. Um indíviduo  cerra os dentes em Lisboa pelo direito de casais  de PMS à parentalidade , mas  diz preferir Teerão a Nova Iorque; outro  exige um Estado laico em Madrid , mas não quer sombra do  modelo democrático ocidental ( que pretende em Madrid) em Kabul,  onde as viúvas dos mujahideen  morreram à fome dentro de casa quando os soviéticos partiram.   É natural que interesses diversos confluam na mesma direcção política, mas já é muito suspeito quando o valor moral é depois  brandido como objectivo e universal.
Para além de páginas arrancadas, existem páginas acrescentadas que vêm de outras agendas. Nem sempre, mal ou bem, é a igualdade que está em causa. Veja-se a as actuais recepções ao Papa, ou a obliteração dos nomes religiosos de históricas  freguesias urbanas, em nome da laicidade do Estado. O que está em causa é existir uma influência, ainda poderosa, de um código moral  que execra  as reinvidicações da agenda  igualitária.  Não é a igualdade que as recepções  e obliterações reinvindicam, é a totalidade. Isto acontece noutras agendas, é um velho método. Veja-se o caso das campanhas  anti-tabágicas. Se o objectivo é impedir que  fulano jante a lerpar com o fumo de beltrano, por que motivo vão depois a correr apagar das fotografias  o charuto do velho Winston?
O argumento de fundo que pretendo testar é o de que a igualdade deixou a sua inspiração libertária para passar a fazer um mau uso da liberdade positiva. Pretendo estudar  as consequências desse mau uso, sobretudo as que afectam o equilíbrio de estruturas lentamente segregadas -  como a família, a maternidade ou a religião - e a própria... liberdade.




1) Segundo Doyle, entre Outubro e Janeiro apenas 177 pessoas tinham sido executadas em Paris. Entre Novembro e Abril, em Lyon,  foram executadas ( à bala) 1880 almas. A igualdade enfraquecia  na periferia...

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