Uma regionalização não serviria para nada. Seria apenas o prolongamento das formas de dominação burocrática a partir de novos centros. Não por acaso, quase todos os que a defenderam, nos últimos anos, estão agora satisfeitos em Lisboa ou endividados a Lisboa. A única regionalização possível nascerá de partidos locais. A seu tempo.
Em certas situações, as classes sociais separam-se dos seus partidos tradicionais. Este divórcio reforça o poder da burocracia civil, da alta finança, da Igreja e, em geral, de todos os corpos relativamente independentes da flutuação da opinião pública ( Gramsci, Quaderni). A crise de autoridade que se abre faz com que a classe dirigente tradicional* reabsorva o controlo - talvez faça sacrifícios e se exponha a um futuro incerto através de promessas demagógicas, mas retém o poder e usa-o para esmagar os seus adversários e dispersar os seus melhores quadros ( Gramsci, Quaderni).
É vantajoso verificar como a descrição não está desactualizada. O exemplo português pode ser bispado em muitos pontos - o leitor que interprete como quiser. O que me interessa é constatar como a centralização - o cesarismo gramsciano - floresce nestes tempos.
Os media, por exemplo, são uma peça fulcral no controlo centralista e um dos tais corpos independentes da flutuação da opinião pública. Por irónico que seja, ela é alheia aos critérios editoriais, à dança de directores, à filiação partidária, ideológica e simbólica dos jornalistas. Os principais telejornais dão o prime time à visão lisboeta ( ou proto-lisboeta, no caso do Porto) da realidade ( vg o exemplo da recente greve geral).
No plano cultural, em sentido lato, a coisa é igual. A abordagem de questões de costumes, do impacto de políticas do quotidiano ou da agenda espectacular, é sempre feita sob a batuta da classe central dirigente. Em certas matérias, esta deixa caminho livre ao cesarismo rive gauche extraído das escolas de sociologia e de comunicação social lisboetas. É por isso que certos temas parecem ser graníticos - LGBT, Palestina etc - e outros de esferovite - a segurança, o narcotráfico, a solidão dos fracos e velhos.
( cont.)
* O exemplo dos deputados-filhos-de-políticos que saíram da escola directamente para o parlamento, os velhos senadores que dizem uma coisa com o chapéu de político e outra com o de administradores etc.
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