A poesia serve para esconder a realidade enquanto a usamos. Mostrá-la é fácil, negá-la é divertido.
Quando Pascoaes perorava sobre o encantamento infantil necessário ao poeta - coisa muito próxima do conceito psicodinâmico de João dos Santos, que dizia que um homem tem de manter a ingenuidade infantil de se deixar encantar -, alguma coisa se aproveita.
Pois penso que se um garoto agarra numa pá e num balde e vai sozinho para uma zona sossegada da praia e inventa armas, exércitos e trincheiras, está nessa operação. A areia , os pais, a pá, o balde, tudo desaparece. O mecanismo: enfiamos o real no bolso e no lugar dele desenhamos, mas ele está lá sempre, como a praia e os pais.
Ora então um bocadinho magistral de "Noite Fechada" ( in O Sentimento de um Ocidental, 1880), do mestre Cesário Verde:
Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero.
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